Unicamp confirma falsificação do governo no cálculo da Previdência
O que diz o governo sobre a Reforma do Regime Geral de Previdência Social (RGPS)? Por que os cálculos são falsos e induzem a conclusões erradas?
O sistema de Previdência Social é dividido entre trabalhadores dos setores público e privado. Para alegar que a reforma do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que cobre os trabalhadores do setor privado, combaterá privilégios e preservará a população pobre, o governo divulgou informações falsas na nota informativa intitulada “A Nova Previdência combate Privilégios” e em várias apresentações do Secretário Especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, inclusive perante o Congresso Nacional. Mostramos isso em uma nota técnica que foi objeto de réplica oficial que, simplesmente, recusou-se a responder à denúncia.
Qual é a falsificação que o governo fez e que não admitiu nem corrigiu depois da denúncia pública?
Na referida nota informativa e em várias apresentações do Secretário Especial de Previdência e Trabalho, o governo apresentou cálculos falsos à imprensa e aos parlamentares ao comparar o custo de uma aposentadoria por tempo de contribuição (ATC) de um trabalhador que recebia R$ 11.700,00 com outra ATC de um trabalhador que recebia o salário mínimo (SM). Para cada faixa de renda, o governo pretendeu calcular quatro formas de aposentadoria por tempo de contribuição:
1) homem solteiro com 60 anos de idade e 35 de contribuição (60/35);
2) homem 60/35 casado com mulher da mesma idade para quem deixa pensão por 2 anos;
3) homem 60/35 casado com mulher cinco anos mais nova para quem deixa pensão por 7 anos;
4) mulher com 55 anos de idade e 30 anos de contribuição. Metade dos casos deixa pensão por morte.
A intenção do governo era alegar que o custo fiscal com a aposentadoria do trabalhador melhor pago era enorme, provocando um déficit que, contido pela reforma, permitiria aumentar o subsídio para o trabalhador mais pobre. Assim, a reforma da previdência combateria privilégios sem prejudicar os mais pobres, e até melhorando sua situação.
As duas alegações do governo são falsas e se baseiam na falsificação das planilhas. As principais manipulações dos dados são as seguintes:
1) o Ministério da Economia alega calcular a ATC, que exige 35 anos de contribuição, mas calcula a aposentadoria por idade mínima (AI), com 25 e 20 anos de contribuição, relatando valores que inventam um déficit das ATC de alto valor que é, na verdade, das AI, pois as ATC tem exigência de tempo de contribuição muito maior que as AI;
2) ao calcular as AI no lugar das ATC, a SPE calcula a aposentadoria recebida segundo o pico do salário estimado em 2034, ao invés da média dos salários, o que infla o custo das AI para inflar o suposto déficit;
3) para o salário de R$ 11.770 usado na simulação oficial do custo de uma ATC hoje, o governo não apenas calcula uma AI (com 25 anos de contribuição), como também subestima as contribuições do empregado e, principalmente, do empregador: a) para o empregado, calcula contribuições de 11% sobre o valor de 5 SM, e não do teto do RGPS (que hoje está muito mais próximo de 6 do que 5 SM); b) para o empregador, também calcula as contribuições de 20% sobre 5 SM, e não sobre o valor total do salário (R$ 11.770);
4) para o salário mínimo, o Ministério da Economia também troca a simulação da ATC pela AI (com 20 anos de contribuição), o que subestima o subsídio atual para os trabalhadores pobres porque hoje não é preciso esperar a idade mínima de 60/65 anos (mulheres/homens) para garantir a integralidade de benefícios por tempo de contribuição para trabalhadores que recebem o piso previdenciário (o salário mínimo);
5) Ao calcular as AI no lugar das ATC, o Ministério da Economia subestima o subsídio atual para os trabalhadores pobres porque simula contribuições por 20 anos e não a condição mínima de 15 anos de contribuição, tampouco o tempo de contribuição médio nas regras atuais (19 anos); feita a correção nos dois casos, a Reforma da Previdência não apenas diminui o subsídio para os mais pobres, como joga muitas famílias na pobreza.
6) Com o governo não simula a ATC e sim a AI, em nenhum momento as planilhas oficiais computam a incidência do Fator Previdenciário, isto é, o redutor do benefício da ATC que penaliza a aposentadoria precoce mais do que proporcionalmente ao tempo adicional de recebimento, e que a torna, por definição, mais favorável à Previdência que uma aposentadoria por idade aos 65 anos.
As sobrevidas usadas pelo ME não correspondem exatamente a qualquer idade na tábua de mortalidade do IBGE 2017. Segundo o IBGE, as sobrevidas aos 60 anos para homens e 55 anos para mulheres são 20,5 e 28.3 anos, respectivamente (IBGE 2017). Usamos as mesmas sobrevidas do governo apenas para reproduzir seus cálculos. No entanto, há já aqui uma nova falsificação, visto que as sobrevidas não correspondem às idades de aposentadoria na NI do Ministério.
A sobrevida de 18,1 anos, atribuída a homens pela nota do ME, se aproxima da sobrevida média global aos 65-66 anos, ou a um homem de 63-64 anos (que não seria suficiente para a aposentadoria por idade). A sobrevida de 25 anos, por sua vez, corresponde à sobrevida de uma mulher aos 59 anos, que também não seria suficiente para aposentadoria por idade. Dada a atribuição de valores arbitrários pelo ME, assumimos que as idades de aposentadoria seriam 60 e 65 anos para mulheres e homens respectivamente, pois são as mínimas para a aposentadoria por idade. Na prática, essa escolha tem pouca importância, visto que são as sobrevidas que entram nos cálculos (desde que a idade mínima seja cumprida).
Reprodução da Carta Campinas. Os autores são respectivamente Professor Associado do Instituto de Economia e pesquisador do Cecon-UNICAMP, ex-professor visitante na UC Berkeley; Doutor em Química (USP), especialista em Design de Experimentos e Proprietário da KnudZen Consulting (Itália); Mestre em História Econômica (USP), ex-analista bancário aposentado; Professor Doutor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp, Mestre em Física Teórica (University of Cambridge) e PhD em Matemática (Imperial College London); Antonio E. Rodriguez Ibarra é consultor de várias organizações (como IBGE, IPEA, PNUD e DIEESE) e doutorando no Instituto de Economia da UNICAMP.