Coluna do Repolho: A mentira do déficit previdenciário

A inovação da Constituição Federal de 1988 quanto à concepção de uma Seguridade Social que abrangesse três diferentes aspectos da vida em sociedade: previdência, assistência e saúde. A integração e interdependência destes três pilares já é bem aceita e compreendida pela doutrina jurídica.

Entretanto, custear e viabilizar ações desta magnitude demandou do Constituinte originário a concepção de um amplo projeto de financiamento da Seguridade Social com opções heterogêneas de custeio, cujos fatos geradores

fossem variados o suficiente para não dependerem de uma variável econômica apenas, o que colocaria em perigo a viabilidade financeira de uma instituição jurídica que, por sua própria natureza, está destinada a perdurar através das gerações.

Entendemos que foi por essa razão que a Constituição Federal idealizou e implementou um modelo quadripartite de financiamento da Seguridade Social, através das contribuições sociais dos trabalhadores, dos empregadores, das empresas e de toda a sociedade, através dos impostos transferidos pela União.

O texto constitucional é claro ao fixar quatro fontes de financiamento distintas para a Seguridade Social:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) (BRASIL, 2009)

Reforçando essa ideia, temos o artigo introdutório do capítulo dedicado à Seguridade Social:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: (…)

VI - diversidade da base de financiamento; (BRASIL, 2009)

Entendemos que a razão desta salutar diversidade de fontes de financiamento deve-se ao fato de que, por ser a massa salarial a variável que mais se contrai nos períodos de redução dos níveis de atividade econômica, para que a Seguridade Social não ficasse totalmente dependente das receitas provenientes das contribuições incidentes sobre a folha de salários, construiu-se um modelo de arrecadação em que diversas contribuições sociais seriam criadas e destinadas ao seu financiamento.

Concluímos que o discurso oficial do déficit previdenciário, amplamente propalado pelas mídias golpistas, baseia-se em interpretação errada da titularidade e da distribuição dos recursos provenientes da arrecadação das contribuições previstas no art. 195 da Constituição Federal.

A aceitação passiva destes dados falaciosos decorre do desconhecimento da população em geral e da imobilidade dos órgãos representativos das classes envolvidas (sindicatos de trabalhadores, organizações de aposentados e pensionistas e a representação destas categorias nas casas legislativas, etc,), as quais decorrem também da incipiência das nossas instituições democráticas.

Apenas a pressão do povo brasileiro, devidamente esclarecido de todos os aspectos envolvidos, diretamente ou através dos seus canais de representação, poderá aniquilar os argumentos que geram pânico e pressionam para a manutenção das políticas de exclusão previdenciária e de redução dos direitos adquiridos nos últimos 29 anos de constituição cidadã.