Coordenação das Comunidades Quilombolas repudia postura racista do Estado brasileiro
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), divuilgou nota nesta, sexta-feira (17), protestanto contra as ações do governo ilegítimo Michel Temer e o grave desmonte das políticas públicas dirigidas aos quilombolas. A entidade denunciou o descaso e o descompromisso do governo federal, que esvaziou uma reunião, no dia 13/11, que havia sido intermediada pela Comissão de Direitos Humanos da OEA. Leia a seguir a íntegra da nota.
Nota pública em repúdio à postura racista do Estado brasileiro
Em 13/11/17, foi realizada, na sede da Fundação Cultural Palmares, em Brasília, reunião intermediada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) para debater a morosidade das titulações dos territórios quilombolas no Brasil, bem como a violência e impunidade a que estão sujeitas as lideranças quilombolas que lutam por direitos, especialmente pelo direito à terra.
A reunião enquanto desdobramento da audiência temática realizada na 165ª sessão de audiência da CIDH, ocorrida no Uruguai, no dia 23 de outubro de 2017 (que não contou com representantes do Estado), contou com a presença do Comissionado da CIDH, James Cavallaro, e de Darci Frigo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Esperava-se a participação de representantes ministeriais do Estado brasileiro com condições políticas para dialogar com os quilombolas e as organizações de direitos humanos para adotar as providências necessárias frente às demandas em pauta apresentadas perante a CIDH em outubro do corrente ano e de amplo conhecimento do Estado nos últimos 14 anos, apenas para citar as questões após a vigência do Decreto 4.887/03 sob ataque no STF pelo partido Democratas , no congresso pela bancada ruralista e no executivo por Ministérios loteados entre representantes das oligarquias, dos especuladores financeiros e do agronegócio.
Embora tenha sido consensuada com representante do Itamaraty, presente em reunião realizada no dia 23/10, ainda no Uruguai, não houve sequer presença de representante do próprio Ministério das Relações Exteriores, tampouco da Presidência da Fundação Cultural Palmares, que sediou a reunião, nem mesmo da Presidência do Incra, principal órgão demandado na denúncia apresentada contra o Estado brasileiro. O INCRA, FCP e Ministério dos Direitos Humanos se fizeram representar apenas por servidores que, por mais comprometidos com as políticas públicas voltadas para os quilombos, não têm poder de decisão para intervir na condução das ações de Estado, ou mesmo para justificar as opções políticas adotadas pelo atual governo ilegítimo.
A postura racista e desdenhosa do Estado brasileiro de sequer enviar representantes do primeiro escalão dos ministérios e secretarias afetas às demandas apresentadas pela sociedade civil à CIDH e desconsiderar a presença do Relator do organismo internacional para o Brasil foi repudiada pela representante da CONAQ no início da reunião, ao reiterar as denúncias feitas na audiência em Montevidéu.
Em seguida representantes do Quilombo Rio dos Macacos expuseram a extrema violência da Marinha do Brasil contra sua comunidade, que ocorre também em outros territórios sobrepostos por bases militares, além do alarmante número de assassinatos de quilombola no país. No Estado da Bahia, por exemplo, onde foi extinto o Programa de Proteção a Defensores/as de Direitos Humanos. Contudo, nenhuma representação do Ministério da Defesa, da Justiça ou dos Direitos Humanos se dignou a participar da reunião.
O inaceitável racismo do Estado brasileiro, último país das Américas a abolir a escravidão, se explicita sem qualquer desfaçatez por um governo composto quase que exclusivamente por homens brancos, que ascenderam ao poder por meio de um golpe de Estado, demonstrando que ainda há muito que lutar para que as comunidades quilombolas conquistem direito à terra, e que nessa longa caminhada as lideranças estarão, infelizmente, sujeitas aos riscos de enfrentar os modernos escravocratas.
Diante disso, mesmo na ausência de representantes do governo com algum poder de decisão, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) em conjunto com as organizações de assessoria jurídica popular , Terra de Direitos, Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais, da Comissão Pastoral da Terra de Pernambuco e demais pesquisadores/as / ativistas presentes reafirmaram o compromisso de continuar pautando o Estado Brasileiro nas instâncias internacionais, no sentido da garantia do direito quilombola à vida e à definitiva titulação de seus territórios, apresentando à Comissão Interamericana de Direitos Humanos uma pauta básica que deve ser atendida para que se cumpram os direitos básicos de quilombolas previstos na Constituição e tratados internacionais, na qual se exige que o Estado brasileiro:
• Assinatura imediata dos 29 decretos de desapropriação em benefício de comunidades quilombolas, que estão paralisados junto à na Casa Civil da Presidência da República;
• Modificação urgente do entendimento exposto no Ofício nº 1356/SE-C.Civil/PR, da Casa Civil da Presidência da República, que sustenta a impossibilidade de assinaturas de decretos de desapropriação em função de o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3239 não ter sido concluído até o momento;
• Realização do planejamento estratégico , pelo INCRA , para efetiva titulação de todos os territórios quilombolas em prazo não superior a 20 anos, em obediência ao direito humano à duração razoável do processo, apresentando metas anuais de titulações;
• Recomposição imediata pelo Ministério do Planejamento do orçamento do INCRA, tanto para desapropriações quanto para atividades meio, em patamar não inferior ao orçamento do ano de 2012;
• Retomada da realização periódica da Mesa Nacional Quilombola de negociação entre o INCRA e as comunidades;
• Restabeleça e reestruture, nos estados e nacionalmente, o Programa Nacional de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, de forma a viabilizar a luta e a vida das lideranças quilombolas;
• Promova a imediata investigação dos casos de assassinato de quilombolas, haja vista a ligação desses crimes com a luta pela titulação de seus territórios, com a avaliação da possibilidade de federalização diante da importância dos assassinatos;
• Modificação pelo Estado da postura intransigente em face aos casos de sobreposição de áreas e bases militares a territórios tradicionais quilombolas, implementando uma política em conformidade com os tratados, pactos e convenções de direitos humanos subscritos pelo Brasil, que garanta a integralidade dos territórios e respeito aos direitos fundamentais previstos pela Constituição brasileira.
#NenhumQuilomboaMenos
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq)