“A luta anticapitalista não é possível sem a questão racial”, diz professor da USP

Na semana da Consciência Negra, 20 de novembro, pesquisas revelam que o povo negro ainda amarga os piores indicadores sociais no Brasil

Não é possível debater um projeto de nação e desenvolvimento econômico sem que o racismo seja abordado. Os três séculos de escravidão deixaram marcas profundas no Brasil e um padrão de desigualdade racial, gênero e classe que pouco se alterou.

Dentro da estrutura de desigualdade, há um tema que pouco se debate: o capitalismo, tido como um dos principais responsáveis pelo racismo estrutural, que se aprofunda com os ataques do governo neoliberal e de extrema direita de Jair Bolsonaro (PSL).

As análises acima são dos professores Dennis Oliveira, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), e Adilson Moreira, doutor em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard.

De acordo com Dennis, que também é jornalista, “o racismo está impregnado no capitalismo brasileiro”.

A luta anticapitalista no Brasil não é possível sem a questão racial- Dennis Oliveira

Para entender as raízes coloniais do Brasil, e como a manutenção do capitalismo perpetua o racismo em todas as estruturas, o professor Adilson explica que o sistema capitalista produz inclusão, mas uma “inclusão hierarquizada”.

“O racismo, como tem sido amplamente afirmado, nasceu junto com o capitalismo. Ele faz parte do sistema criado pelos europeus no capitalismo mercantilista, que necessitava de mão obra barata para poder levar à frente o processo de colonização da África e, principalmente, das Américas”, afirma.

No Brasil, um dos últimos países a abolir a escravidão, situação que só teve fim por conta da resistência dos negros escravizados, somado ao interesse econômico internacional, o racismo voltou com mais força. Após a abolição, negros e negras saíram da escravidão e tornaram-se “livres”, mas ficaram sem escola, moradia e sem emprego porque foram substituídos por imigrantes europeus como uma política de embranquecimento da população brasileira.

“O racismo produz uma diferença entre classes e impede as pessoas de realizarem e gozarem dos direitos que estão assegurados nos documentos constitucionais nas Declarações de Direitos Humanos”, explica Adilson, que é professor de Havard e autor do livro “O que é racismo recreativo?”.

Mais desigualdade entre negros

Essa diferença de classe apontada pelo professor foi constatada na pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada no último dia 13. Segundo o levantamento, 75% dos negros estão entre os mais pobres -, já os brancos 70% estão entre os mais ricos.

A pesquisa do IBGE revelou ainda que negros e negras trabalham, estudam e recebem menos que os brancos e estão entre os mais pobres do país.

Na avaliação de Adilson, o racismo ainda persiste com força porque há na sociedade “uma esfera mais alta” que controla a vida econômica, a política e cultural do país.

“Há uma estrutura de classe, há uma estrutura de poder, e aqueles que estão situados nas esferas mais altas da sociedade controlam a vida econômica, controlam a vida política, controlam a vida cultural”, finaliza Adilson Moreira.

Mais desemprego entre negras

Na paralisia social em que se encontra o país, negros amargam os piores indicadores sociais. Na hierarquia de gênero, são as mulheres negras que ocupam os espaços mais precários em relação às mulheres brancas, homens brancos e homens negros.

Segundo o levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do IBGE, feito com base na média dos últimos quatro trimestres, as mulheres negras, como diz a música ‘Sorriso negro’, de Dona Ivone Lara, são as que mais ‘ficam sem emprego, ficam sem sossego’. A taxa de desemprego entre elas é de 16,6%, o dobro da registrada entre homens brancos (8,3%).

Para a secretária-Adjunta de Combate ao Racismo da CUT, Rosana Fernandes, os dados mostram que o racismo existe para garantir que pessoas brancas sempre tenham acesso privilegiado a oportunidades, inclusive os direitos fundamentais, como acesso a educação e, consequentemente, empregos melhores.

“O racismo surge exatamente com o propósito de convencer a sociedade de que as pessoas brancas, especialmente homens brancos, são os atores sociais e, portanto, a quem se deve dar as melhores chances na vida”.

SAIBA MAIS

Mais violência entre negros

E o racismo também mata. Os padrões de mortalidade de jovens negros no Brasil são superiores ao de países com guerra civil no mundo. De acordo com o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Atlas da Violência, 75,5% das vítimas de homicídio no país, em 2018, eram negras, maior proporção da última década.

“O Brasil de hoje é mais desesperançoso para os negros. Precisamos lembrar a todo o momento que as vidas negras importam, por mais óbvio que isso pareça”, afirma Anatalina Lourenço, secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT.

SAIBA MAIS

Apesar de todos os indicadores sociais e de violência contra a população negra, há um movimento de resistência de luta e pela manutenção da vida.

Segundo Anatalina, o papel da CUT neste cenário de “terra arrasada” está em várias trincheiras, como fazer o enfrentamento “de forma dura” ao racismo, denunciá-lo e fazer um processo de formação para dirigentes e trabalhadores.

“Precisamos fazer um debate muito difícil, que é o encarceramento em massa no Brasil. Quem são eles? Nós sabemos que são os jovens negros e as mulheres negras que estão encarceradas. E precisamos fazer a mesma discussão com relação às altas taxas de desemprego que atingem a população negra”.

Do Site da CUT: Escrito por: Walber Pinto